Para o diagnóstico de um Episódio Depressivo Maior, é necessário que o indivíduo apresente, durante um período de pelo menos duas semanas, 5 ou mais dos sintomas listados a seguir:
- humor deprimido na maior parte do dia e em quase todos os dias;
- falta de interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia;
- perda ou ganho de peso sem estar de dieta;
- insônia ou hipersonia quase todos os dias;
- agitação ou retardo psicomotor;
- fadiga ou perda de energia;
- sentimento de inutilidade ou de culpa;
- indecisão
- dificuldade de concentração
- pensamentos de morte ou tentativas de suicídio.
Adicionalmente, o DSM-IV TRTM (2003) considera que os sintomas causam sofrimento no indivíduo ou prejuízo a seu funcionamento, não devendo ser conseqüência de uso de substâncias como drogas ou algum tipo de medicamento, ou, ainda, ocorrendo em função de uma condição médica. O último critério para o diagnóstico de um Episódio Depressivo Maior especifica que os sintomas não ocorrem pelo luto. Considera-se depressão quando, após o indivíduo ter sofrido uma perda, os sintomas persistirem por mais de dois meses e serem acompanhados de forte prejuízo funcional, sentimentos de desvalorização, idéias suicidas, lentidão motora e até mesmo sintomas psicóticos.
Com algumas ressalvas no diagnóstico da depressão na criança e no adolescente tem se adotado os mesmos princípios que os mencionados acima. Assim como na depressão do adulto, a depressão infantil vem acompanhada de uma série de prejuízos nas diferentes áreas da vida da criança, que, certamente, acarretam conseqüências negativas para o seu desenvolvimento. As alterações são observadas no contexto escolar, social e familiar.
Poucos estudos são realizados no domínio da depressão infantil e suas relações com meio familiar. O que a literatura aponta é que, por um lado, um ambiente familiar caracterizado por condutas parentais inadequadas ou psicopatologia de um dos pais pode ajudar no aparecimento de problemas depressivos. Neste caso, a presença de dificuldades na dinâmica familiar seria um fator de risco para a depressão e, portanto, poderia contribuir para o desenvolvimento de sintomas depressivos na criança, bem como para a sua manutenção. Por outro lado, um contexto familiar onde há relações saudáveis entre seus membros, caracterizadas pelo suporte e pelo apoio afetivo, pode ser importante na recuperação de uma criança ou de um adolescente com depressão. Nessa direção, a família assume um caráter de proteção, no sentido de prevenir que seus filhos desenvolvam problemas psicológicos e, caso estes surjam, são capazes de ajudá-los na sua recuperação.
Os estudos sugerem que práticas parentais inadequadas podem ser prejudiciais à saúde mental da criança e do adolescente. Algumas pesquisas indicam que a falta de percepção de suporte e apoio afetivo está altamente relacionada à presença de sintomas depressivos nos jovens (Patten & colaboradores, 1997). O monitoramento e o controle excessivo dos pais também são variáveis que, quando presentes, estão relacionadas à sintomatologia depressiva (Pettit, Laird, Dodge, Bates & Criss, 2001). A investigação de Pettit e colaboradores (2001) concluiu que um adequado monitoramento paterno estava associado à ausência de problemas de comportamento e de delinqüência nos filhos, enquanto o controle psicológico dos pais se relacionava a maiores índices de alterações de comportamento, como delinqüência, ansiedade e depressão.
Outros estudos apontam que a presença de psicopatologia nos pais parece contribuir para o desajustamento infantil. Hasan e Power (2002) verificaram que os filhos de mães com depressão eram crianças mais pessimistas. Ferriolli, Marturano e Puntel (2007) também observaram que as dificuldades emocionais na criança estão relacionadas ao estresse materno, especialmente ansiedade e depressão. Já Frias-Armenta e colaboradores (2004) concluíram, em sua investigação, que o uso de práticas de punição estava associado à depressão materna. Para os autores, talvez detectar e tratar a psicopatologia dos pais poderia ser uma eficiente estratégia de prevenção para os problemas infantis.
A maneira como crianças e adolescentes percebem seus pais, bem como aspectos relacionados à organização familiar e à situação marital também são importantes fatores no desenvolvimento da depressão. Baptista (1997)verificou as possíveis diferenças entre o suporte familiar de adolescentes femininas com e sem depressão e suas mães. As depressivas percebiam o suporte familiar como sendo menos carinhoso e mais indiferente que o grupo de não-depressivas. Já na investigação de Weber e colaboradores (2004) foi possível observar que as crianças que vêem seus pais como mais exigentes, porém mais responsivos, são as mais otimistas.
Nota-se, nos estudos mencionados, que fatores estressantes no contexto familiar podem desencadear episódios de depressão na criança. Acrescenta ainda que, mesmo a criança apresentando uma alteração de conduta, os pais têm dificuldade para reconhecer os sintomas depressivos em seus filhos.
Nesse sentido, conclui-se que o ambiente familiar da criança tem um papel relevante nos estudos a respeito da depressão na infância. Deve-se ter em mente que, assim como a família pode ser uma coadjuvante no aparecimento da sintomatologia depressiva, relações familiares saudáveis e seguras podem apresentar-se como um fator de proteção, contribuindo, muitas vezes, para que a criança consiga libertar-se dos sintomas de depressão.
Assim sendo, o presente estudo tem como objetivo analisar qualitativamente a relação entre sintomas depressivos e variáveis familiares. Nesse sentido, este artigo visa investigar variáveis do ambiente familiar, mais especificamente, características como supervisão, envolvimento e suporte dos pais de crianças com e sem sintomas de depressão. Participaram 6 mães, separadas em dois pequenos grupos, a saber: grupo 1 (G1), formado pelas 3 mães, cujos filhos apresentavam sintomatologia depressiva, e grupo 2 (G2), pelas 3 mães de crianças sem sintomas de depressão. A idade das mães entrevistadas variou de 31 a 48 anos, com a média de 39 anos e desvio padrão de 6,05, sendo a maioria casada.
Para a entrevista, empregou-se o RAF (Inventário de Recursos no ambiente familiar) de Marturano (2006), uma entrevista semi-estruturada, com o objetivo de avaliar a supervisão dos pais, o envolvimento e o suporte da família. A “Supervisão dos Pais” refere-se a “Atividades da Criança Quando Não Está na Escola”, “Arranjo Espaço-temporal para a Lição de Casa”, “Supervisão para a Escola” e “Atividades Diárias com Horário Definido”. O “Envolvimento e Suporte dos Pais” é avaliado pelos itens: “Passeios”, “Oferta de Brinquedos e Outros Materiais Promotores do Desenvolvimento”, “Atividades Compartilhadas com os Pais, no Lar”, e “Pessoas a Quem a Criança Recorre para Pedir Ajuda ou Conselho”.
Com as entrevistas foi possível notar que as mães do grupo de crianças com sintomatologia depressiva apresentavam algumas diferenças em relação às mães do grupo de crianças sem sintomas de depressão, no que se refere aos itens do RAF. As diferenças se tornam mais evidentes principalmente na “Supervisão dos Pais”, incluindo o monitoramento de atividades fora da escola, a supervisão quanto aos afazeres escolares e as atividades que caracterizam a rotina da criança. As crianças do G1 não costumavam brincar na rua. Há, neste grupo, indícios de uma preocupação maior, por parte dos pais, em relação às tarefas escolares, pois não existe uma rotina quanto às atividades diárias e, finalmente, parece que os membros dessas famílias passam menos tempo juntos.
Foi interessante notar que poucas diferenças entre os grupos foram vistas no tópico “Envolvimento e Suporte dos Pais”, sugerindo que as crianças dos dois grupos parecem viver em um ambiente familiar em que existem oportunidades adequadas de interação entre os pais e seus filhos, já que compartilham vários momentos juntos, em casa e em passeios. Adicionalmente, há também uma grande oferta de brinquedos e outros materiais, como jornais, livros e revistas, que facilitam o desenvolvimento infantil.
Essas observações podem dar indícios a respeito das práticas parentais dessas famílias. Parece que o contexto familiar das crianças do G1 se caracteriza por dificuldades no comportamento dos pais, relacionadas mais à supervisão. Mas, apesar de se verificar maior fragilidade na supervisão e no monitoramento paterno, pode-se dizer que essas crianças parecem viver em um ambiente em que há envolvimento e apoio afetivo dos pais.
*Consultar texto completo em Cruvinel, Miriam & Boruchovitch, Evely (2009). Sintomas de depressão infantil e ambiente familiar. Psicologia em. Pesquisa-UFJF, 3, 87-100.
Espero que este texto possa trazer algumas reflexões para você!!! Abraços!